'A força evangelizadora dos pequenos gestos'
- Najaska - Jornalismo
- 21 de abr.
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Por Pe. Antonio Valentini Neto, a serviço no Centro Diocesano (A propósito de Francisco)
Depois do exemplo de humildade, abnegação e testemunho de amor à Igreja de Bento XVI, especialmente por sua renúncia ao ministério de Bispo de Roma e sucessor de São Pedro, o mundo, de modo particular o católico, se encantou com o jeito simples e cativante de quem foi eleito para sucedê-lo, o Arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Cardeal Bergoglio. Ao se apresentar na sacada dos aposentos pontifícios, deixou clara a marca de sua vida até então, que não deverá ser outra na sua nova missão e que justifica o nome por ele escolhido: a proximidade com as pessoas, o despojamento. As primeiras palavras foram coloquiais, carregadas de empatia: “Boa noite!” (em Roma já era escuro).
A seguir, revelando consciência clara de que não estava lá por iniciativa própria, continuou: Vós sabeis que o dever do Conclave era dar um Bispo a Roma. Parece que os meus irmãos Cardeais tenham ido buscá-lo quase ao fim do mundo… Eis-me aqui! Agradeço-vos o acolhimento: a comunidade diocesana de Roma tem o seu Bispo. Obrigado!
Neste detalhe, Roma tem seu Bispo, está também uma dimensão eclesial fundamental. Ele é Papa por ser Bispo de Roma e não o contrário. A vinculação do Bispo a uma diocese é da natureza da Igreja. A Igreja é constituída da unidade das Dioceses, presididas pela de Roma.
Roma tem seu Bispo por obra dos cardeais, não dele. Melhor, nem deles, mas de Deus que sempre se serve de meios humanos. Ele apenas disse sim.
Isto poderia remeter à vocação do profeta Amós. Amasias, sacerdote do templo construído pelo Rei e a serviço dele, ordenou a Amós que fosse para a terra de Judá e lá ganhar o seu pão profetizando. Amós, ironizando-o por ser pago pelo rei e por isso devendo-lhe favores, lhe respondeu com firmeza: Não sou profeta nem filho de profeta. Sou pastor e cultivador de sicômoros. O Senhor tomou-me de detrás do meu rebanho e disse-me: vai e profetiza ao meu povo Israel (Am 7,12-15).
Continuando a manifestar sua disponibilidade humilde e a remeter as atenções da multidão presente e a que o acompanhava pelos meios de comunicação a outros, colocando-os em cena, fez três referências.
Primeiro, lembrou o antecessor, o “Bispo emérito Bento XVI”. Convidou a rezar por ele, “para que o Senhor o abençoe e Nossa Senhora o guarde”. E iniciou a recitação do Pai nosso, da Ave Maria e do Glória ao Pai.
Segundo, enfatizou que se estava iniciando “um caminho, o Bispo e o povo... Caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos uns pelos outros. ... Espero que este caminho de Igreja, que hoje começamos e no qual me ajudará o meu Cardeal Vigário, aqui presente, seja frutuoso para a evangelização desta cidade tão bela!” Integrou o povo na sua missão. Partilhou esta missão com o Cardeal Vigário, aquele que em seu nome anima e coordena mais diretamente os trabalhos na Diocese de Roma, “aquela que preside a todas as Igrejas na caridade”.
Terceiro, pediu um favor: que o povo rezasse em silêncio por ele, antes de lhe dar a sua bênção para que o Senhor o abençoasse.
O teólogo italiano, Rosino Gibellini, diretor de uma editora em Bréscia, disse que só a escolha do nome do novo Papa “já é quase uma encíclica!” E acrescenta: “Lembro-me do Papa João Paulo I, que, durante os seus 30 dias de pontificado, nos presenteou com algumas catequeses que permaneceram como uma encíclica, em particular aquele seu falar de ‘Deus Pai e ainda mais mãe’”.
Poderíamos dizer com muito mais razão, que estas palavras e estas primeiras iniciativas, bem como os inúmeros outros gestos posteriores são quase uma encíclica.
De fato, o novo Bispo de Roma passou a realizar uma verdadeira cascata de pequenos gestos reveladores da grandeza de sua vida com força renovadora.
- após ser eleito papa, dispensou carro oficial para retornar da Capela Sistina para a Casa Santa Marta onde estava hospedado com os cardeais, indo com eles de condução coletiva;
- No dia seguinte também dispensou carro oficial para ir rezar a Nossa Senhora na igreja de Santa Maria Maior;
- no retorno desta saída, pediu ao motorista para passar na “Casa do Clero”, onde se hospedara antes do Conclave, para retirar seus pertences, saudar a equipe de serviço e pagar a conta “para dar bom exemplo”, não aceitando o que lhe disse quem o acompanhava: deixe que nós acertamos depois;
- dispensou, também, ao menos “por enquanto”, o espaçoso apartamento pontifício no Palácio Apostólico, preferindo continuar morando na Casa Santa Marta, onde se hospedaram os cardeais durante o conclave;
- utiliza o elevador comum na mesma casa;
- telefonou para o dono da banca de jornais em Buenos Aires que lhe entregava o jornal diariamente para agradecer e dizer que não precisava mais fazê-lo;
- telefonou a seu sapateiro encomendando um par de sapatos, aqueles de sempre, “pretos”;
- assinou o gesso da perna de uma menina na Praça São Pedro;
- quis celebrar a Ceia Pascal no Cárcere para Menores “Casal del Marmo”, lavando os pés de 12 deles, entre os quais duas meninas não católicas;
- trocou o solidéu que tinha na cabeça com o de uma pessoa que lhe estendeu um que carregava consigo;
- quer visitar o centro de refugiados de Roma. Quem informa é o seu diretor, teólogo jesuíta Giovanni La Manna. Colocou o convite no Facebook. O Papa mesmo lhe telefonou confirmando que iria visitar o refeitório e lhe pediu para cumprimentar em seu nome os refugiados.
- no dia da missa de início de seu Pontificado, 19 de março, dia de São José, passando por entre os fiéis na Praça São Pedro, mandou parar o carro e desceu para beijar um homem com problemas físicos que estava no seu percurso;
Não são gestos programados e impostados como os de certos políticos em campanha eleitoral. Vão às favelas, ao meio rural, caminham pelos bairros, abraçando, beijando e tentando o linguajar do povo para parecerem populares, sem sê-lo, pois não conseguem esconder seu status elitizado. Pior ainda, são gestos “viciados”, por que realizados com segundas intenções, são interesseiros.
Os do Papa são gestos inatos, que brotam ao natural de seu jeito humano de ser. Comprovam-no depoimentos de pessoas que o conheceram mais de perto. Atestam-no muitos moradores de bairros e periferias de Buenos Aires.
Ir. Nora Beatriz Kviatkowski, argentina e mestra de noviças da Comunidade Jesus-Maria, atualmente em Bogotá, mas que viveu na Arquidiocese de Buenos Aires, relata que o conheceu simplesmente como Jorge, pois evitava apresentar-se com algum título. Certa vez, precisando da assinatura dele para a recomendação a um pedido de ajuda a uma Instituição da Europa, lhe telefonou. Ouviu quem atendia ao telefone dizer-lhe que quem estava falando era o Jorge. E ela, naturalmente, respondeu perguntando: mas que Jorge? A resposta dele: Jorge Bergoglio. Segundo ela, nunca o viu com segurança pessoal, nem com motorista. Usava o transporte público seja para visitar a família, seja para a visita pastoral ou substituir algum padre em alguma missa.
Conta ainda a irmã que o encontrou na Praça de Maio numa grande manifestação pública contra a gestão do ex-presidente De la Rúa, da qual participou como um cidadão a mais. Lembra bem que acompanhou os familiares de centenas de jovens que perderam a vida no acidente da danceteria Cromagnon, bem como os de um acidente de trens.
A s pessoas próximas a ele sempre ressaltaram sua grande austeridade e simplicidade de vida. Deixou a residência oficial do arcebispado e foi morar num apartamento simples, onde ele mesmo, muitas vezes, se preparava a comida. Quando feito cardeal, pediu aos que eventualmente se propunham a ir a Roma para a cerimônia oficial do cardinalato que deixassem de fazê-lo e dessem o dinheiro das despesas aos pobres. Fez o mesmo pedido aos que quisessem ir a Roma por ocasião da solenidade do início de seu Pontificado.
A irmã observa que, embora sua simplicidade, parcimônia e até timidez, pouco propenso a dar entrevistas a jornalistas, “nunca lhe tremeu a voz para clamar contra as desigualdades do país. Comparou pobreza à violação dos direitos humanos e não duvidou em criticar diretamente os diversos Governos por não impedirem o aumento da pobreza, situação que considera ‘imoral, injusta e ilegítima’ ao ocorrer num país que possui as condições econômicas necessárias para evitar esses danos”.
Conforme um editorial da Rádio Vaticano, a grandeza destes gestos tão simples está no fato de serem de um homem que por toda a vida fez gestos como esses, sem pensar que eram grandes gestos, mas sim que eram gestos que deveriam ser feitos, porque são cristãos, que provém da simplicidade do Evangelho e que nos remetem diretamente aos gestos simples e humildes do Homem da Galileia, que também no seu tempo impactou e até escandalizou multidões com seus gestos inusitados, sem precedentes, que dignificavam o ser humano, sem olhar sua condição social, raça ou cor.
Com estes gestos, o Papa Francisco, assim como Francisco de Assis, está mexendo com a mente e o coração de muitas pessoas, dá jovialidade à Igreja, suscita promissoras expectativas para seu pontificado, questiona todo estilo de vida que se afasta do despojamento evangélico e, naturalmente, incomoda os que gostam de gestos grandiosos, da espetacularidade e dos holofotes.
Evidentemente que, com o passar dos dias, se aguarda com ansiedade encaminhamentos concretos de resposta à necessidade de renovação da Igreja e aos desafios que o mundo atual lhe apresenta. Com seus gestos, Francisco já criou o clima favorável para eles.
Erexim, 21 de abril de 2013, 4º Domingo de Páscoa, Dia de Oração pelas Vocações Sacerdotais e religiosas.